Por MAÍRA MORAES*
Especial para o R7
Há alguns dias as redes sociais têm replicado o depoimento da mãe do dançarino D.G (Douglas Rafael da Silva) do programa Esquenta, assassinado no Rio de Janeiro.
A mãe de D. G Srª Maria de Fátima da Silva se manifestou com indignação contra Regina Casé e a equipe do programa Esquenta no episódio no qual o programa homenageava seu filho.
Em seu depoimento, a mãe de D.G relata que foi tratada com descaso pelo programa e usada para alavancar a audiência.
O depoimento causou indignação nas mídias sociais e gerou enorme desconforto em quem já condenava a espetacularização da violência na TV.
Os compartilhamentos do depoimento foram acompanhados por diversos comentários negativos sobre Regina Casé.
Proximidade com classes populares
Atriz veterana da TV, cinema e do teatro, e cujo perfil cômico rendeu personagens icônicos como a Tina Pepper da novela Sassaricando, as esquetes divertidas e inteligentes do TV Pirata, papéis do cinema nacional e programas que já exploravam o filão das periferias como o Brasil Legal.
Casé, apesar da proximidade com as classes populares, vem de uma família abastada, mas sua empatia e talento rendeu uma espécie de “abre alas” nas classes populares.
O que deu errado?
Se Casé sempre utilizou seu talento e inteligência para demonstrar a riqueza cultural da periferia, o que deu errado com o Esquenta?
Um programa de TV não é apenas o seu apresentador, mas uma equipe composta por produtores, jornalistas, roteiristas, diretores, técnicos.
E o programa Esquenta utiliza sua equipe para pretensiosamente ser um programa para todos.
Ou melhor, “ligar o morro ao asfalto”, vencer as barreiras de classe e de cultura do Brasil.
União de classes?
A questão é que o Esquenta mimetiza os mitos mais superficiais de nosso país: o da “democracia racial” e da união cultural entre classes.
Pois, enquanto Regina, seus artistas e sua equipe após o show se dirigem à suas casas confortáveis nos bairros ricos do Rio, sua plateia e seus dançarinos estão indo para as comunidades e morros da mesma cidade.
E nessas periferias não encontram um lar pacífico, cercado de muros, com piscina, mas policiais, traficantes e milicianos armados até os dentes.
A revolta da mãe de D.G é legítima porque sua realidade é muito comum. Diversas mães perderam seus filhos para a violência urbana (policial, tráfico ou das milícias) e para a abstenção do Estado Brasileiro.
Mas um programa de auditório deseja apenas recriar um mundo de sonhos e defender os interesses da emissora.
Genocídio da juventude
Contudo, nos dias atuais em que há um genocídio da juventude negra, dos cidadãos e, por que não, dos profissionais da polícia, o mundo apresenta-se mais cruel e já não há espaço para ignorar essa realidade.
O mosaico social do Brasil, não é colorido como o Esquenta, mas cinza e vermelho, das periferias e do sangue.
A culpa também não é da Regina Casé, mas do que ela representa: o mito do Brasil como um país democrático e que dá certo apenas quando caminha para longe de suas contradições.
Talvez no passado isso ainda funcionasse, mas nos dias atuais queremos observar tudo na sua nudez cruel.
O tema de abertura de Esquenta é um bom exemplo do engano de Casé “Alô, Regina é tão gente fina que sabe chegar em qualquer esquina...”.
Mas as esquinas do Brasil estão matando jovens, infelizmente, Regina.
*MAÍRA MORAES é historiadora formada pela USP (Universidade de São Paulo), na qual também é pós-graduada em Mídia, Informação e Cultura. Colunista convidada, escreve no R7 Cultura todo primeiro domingo do mês. A opinião dos colunistas convidados não reflete, necessariamente, a opinião do R7.
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